Vem com a gente!



By  Coletivo Poesia Marginal     05:42:00    Marcadores: 



         Se eu fosse Frida, eu me pintava em carmesim. O céu azul tão limpo e claro sobre minha cabeça contrastando com a tempestade dentro de mim, no lugar do coração  no peito aberto. Eu colocaria em cada lágrima um rastro de fogo, em cada fogo um rastro de lágrima. Devastação. Mil catástrofes ilustradas no lugar que seria o coração. Por dentro, tudo é desespero. O holocausto em minhas células. A peste negra em minhas veias. O horror em minha face. E o mundo, o mundo ao redor de mim sempre horripilantemente calmo, como se dissesse claramente que não pertenço a ele, que não pertenço à calmaria da porra daquele mundo. Eu sou tempestade, densa demais, não tem devastação por fora, é como um crânio no vácuo esperando para explodir, eu sou um crânio no vácuo!
         Se eu fosse Frida eu pintaria um crânio no vácuo. Denso, denso, a ponto de explodir os miolos todos em todas as direções, sugados pelo nada, pelo grande e poderoso nada. Eu pintaria a minha dor em tons de acre, eu colocaria todas essas feridas em evidência, a coisa mais desprezível, a coisa mais desprezível! Eu me desenharia gritando, gritando, gritando repetidamente a mesma frase. O retrato de mim mesma é a minha dor!, eu gritaria em itálico. E depois eu gritaria em negrito: O retrato de mim mesma é a porra da minha dor!
         Se eu fosse Frida eu me pintava nua da cabeça aos pés, ferida e ensanguentada. E atrás de mim, no horizonte, aparentemente longe, uma cruz. E atrás da cruz uma multidão. E eu me pintaria sozinha, sem nenhum atalho pra alguma zona segura, só o caminho de dor e espinhos à frente. E eu estaria com tanto medo, mas não haveria ninguém pra contar, não haveria ninguém com quem contar. Porque minha dor é desprezível. Eu não posso assumir minha dor, não há honra em senti-la.
         Se eu fosse Frida eu pintava minha dor só por dentro, mas por fora pintaria o mundo cheio de pessoas com dor por dentro e com seus próprios furacões escondidos dentro do peito e bem guardados. Mas nenhuma dor seria igual à minha, e nenhuma dor anularia a minha. E nenhuma das pessoas que sofrem se juntariam a mim. Não, elas não se juntariam a ninguém, porque ninguém escancara a dor. Nem eu. Todos estarão sozinhos. Todos estarão sozinhos. Todos estarão sozinhos.
         Todos.
         Estarão.

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