Não me deixe aqui na porta, querida. Você sabia que está frio? Abra a porta e me deixe entrar, eu nem me importo de ver seu novo namoradinho de cuecas. É seu chefe? É o carinha que mora na esquina que sempre te olhou com vontade de prová-la? Não, desculpa, não vou perguntar essas coisas – é indelicado. Está frio, sabia? Sabia que nessa porra de país resolveu voltar a ter inverno? Desses invernos rigorosos que as pessoas usam as roupas cheirando a naftalina, mofo e sabão em pó de segunda marca? Não se incomode, mas vou acender um cigarro, só pra ver se esquenta... Aliás, você nunca gostou que eu fumasse, mas porra, o que eu ia fazer quando você começava a falar da vida das suas colegas de trabalho que reclamavam do pau mole dos maridos barrigudos? Não me interessava, nunca interessou. Comecei a fumar pela distração, hoje é vício. Hoje é mais vicioso que você em mim, acho. Ou não.
Você tá em casa? Custa abrir a porra da porta e me deixar entrar para que
eu não sofra uma porra de uma hipotermia? Deixa de ser mesquinha, é inverno, to
sem casaco, dignidade, vida e sonhos. Sem você. Olha que bonito, ainda sei
fazer gradações, você sabe que quando eu tinha sonho de publicar meu livro de
contos as metia em tudo quando é lugar. Mas não tive sucesso com os contos,
mudei pras crônicas, todavia soaria falso com a vida de merda que levava –
foder umas três vezes com você (uma por telefone); fazer um café só pelo clichê
que todo escritor precisa gostar de café, vestir uma roupa pra arrumadeira
entrar em casa, escrever duas páginas de um conto inacabado e não gostar de
nada, ir ao cinema, foder mais uma vez e dormir. Uma vida de merda,
naturalmente. Uma vida de escritor.
Não é o inverno sua estação favorita? Acho que é sim, desde que seu pai
comprou a prestação uma passagem pra Bariloche pra você e sua melhor amiga
passarem as férias de final de ano lá. Férias em Bariloche, que se foda, nunca
liguei pra a Argentina mesmo, aliás, da Argentina só salvo a Evita – dá vontade
de comer. Tenho queda por loiras metidas a aristocráticas, vai ver foi por isso
que me apaixonei por você.
Ah, não pense que eu vou me matar por sua causa: não me daria ao trabalho.
Já disse tudo que poderia dizer, pedi perdão, disse que mudaria, prometi até
cortar os cabelos e a barba, mas parece que você prefere dormir sozinha nesse
leito frio que é a sua cama. Eu poderia esquentar seus pés gelados a noite,
sabe bem. Eu poderia encurralar seu corpo contra a parede com força, só de
meias e sexo selvagem enquanto você nem liga se os vizinhos vão te ouvir gemer.
Você nunca ligou pra isso. Na verdade deveria ligar, pois sua educação em
colégio católico não permite esse tipo de escândalo. Aliás, o que sua finada
mãe diria de mim mesmo? Um pedaço da escória da sociedade? Um escritor metido a
rockstar falido e indecente? Um
imoral comedor de menininhas em idade púbere e leitor assíduo de revistas de esquerda?
E nem sei se posso negar nenhuma dessas indagações, afinal não foi dentro do
seu colégio católico que nós transamos pela primeira vez? Você tinha mais que
quinze naquela época? Não responda me sentiria chocado com o tempo que já se
passou. Foram quantos anos de quase-casamento? Foram quantos anos me aturando e
se aturando por me aturar mesmo? Foi antes ou depois de você começar a
fotografar e se tornar essa artista admirada por hipsters pseudo-cults? Foi antes ou depois desse inverno me
consumir? Há muito não sei responder.
Se for pra falar do passado vou dizer que sempre senti uma atração pelo seu
rosto anguloso; nobre. A primeira vez que a vi saindo da escola não foram seus
seios diminutos ou pernas longas cobertas por meias brancas que despertaram-me
de imediato. Foi seu rosto de mulher em corpo de menina. Rosto de uma rainha
trágica qualquer. Rosto de inverno: poderoso, marcante e impassível. Inefável,
até. Naqueles poucos segundos que seu olhar cruzou com o meu tão desgranhado,
percorreu um arrepio na minha espinha, igual a esses que percorrem agora, como
se o mundo quisesse me ter congelado só para dominar-me. Como você me domina com
a frieza em todos os seus detalhes – com todos esses seus invernos rindo-se de
mim.
Mas vai abrir a porta ou não? Se não vai diz logo, por favor. O cigarro não
ajuda muito contra o inverno, é como fazer uma fogueira na mais gélida das
terras invernais – é ainda amá-la e saber que não é mais correspondido. Não
funciona, por mais que a gente tente e queira e peça a um deus qualquer não há
resposta, afinal essa coisa toda de fé pra mim sempre foi via de mão única. Peço
e tenho o que como resposta? Sua porta trancada na noite mais fria desse
inverno; sua porta que nega se abrir e me salvar do gelo das minhas próprias
palavras ácidas – sua porta que permanece fechada e só me faz grão de neve
nessa avalanche da sua falta de amor. Na minha falta de amor próprio.
Então me deixe aqui na porta, querida. No fim eu gosto do frio, já que
tenho que sentir saudade, carência, tristeza, depressão, ciúmes e inveja sentir
frio é o menor dos sentimentos. E não
venha me falar que frio não é sentimento – você não entende deles. Frio é como
um amor não mais correspondido: só é bom dentro de casa, sem a humilhação do
rastejar por caminhos já percorridos. Frio é como perder-se no seu olhar, mesmo
sabendo que por lá já habitou.
Frio maior é a porra do seu amor que se perdeu do meu.
Frio é ir embora tendo a certeza que sua porta nunca abrigará esse inverno
em minh’alma outra vez.
Um belo texto,apesar dos palavrões. Acho que eu também não abriria está porta não, rs.
ResponderExcluirAh, e parabéns! Os méritos são todos seus.
Sim, o Lucas é excelente. Eu, particularmente, diria que é um belo texto pelos palavrões, em parte.
ExcluirNossa, que texto maravilhoso.
ResponderExcluirNesse comentário aí de cima, acho que os palavrões deram uma maior entonação e emoção ao texto.
Enfim, parabéns!
Beijos!
vaiumspoilerai.blogspot.com
Em nome do Lucas, muito obrigado!
ExcluirAdorei o post e percebia toda a raiva e o descontentamento que ele tenta trazer aos leitores! Parabens!
ResponderExcluirEm nome do Lucas, muito obrigado!
ExcluirCara... Melhor conto que já li até hoje, melhor mesmo. Incluindo todos os meus que gosto bastante, sua história conseguiu me prender do início ao fim e até previu ações e pensamentos que eu teria ao lê-la. Gostei demais, sem dúvida o melhor conto que li até hoje, eu só te aconselharia se me permites, reduzir um pouco os palavrões.
ResponderExcluirwww.franklinsousa.com.br
Encaminharei seu conselho ao Lucas, e fico muito feliz mesmo que tenha gostado tanto!
ExcluirNo inicio eu ri bastante (ri mesmo). Achei que seria um conto engraçado, de humor. Mas no decorrer do texto percebi muito sentimento, muita raiva e ao mesmo tempo saudade. Senti um ar de vivencia pessoal do protagonista. Foi um história que me prendeu no inicio ao fim, não me distrai em parte alguma.
ResponderExcluirEu gostei, parabéns.
Que observação curiosa a sua, eu jamais tinha lido esse texto e pensado que poderia ser de humor (:
ExcluirNo mais, em nome do Lucas, muito obrigado!
Sei que não era suposto sentir isto mas parece que me apanhou num dia em que estou enraivecida com os homens, então me coloquei do outro lado, não de quem narrava, mas de quem não abria essa porta, seja ela porta mesmo ou seja ela metafórica... E senti raiva deste homem, de tão insistente, talvez por nunca ter encontrado, eu, ninguém que insistisse por amor. De qualquer forma, parabéns! Passa todo o sentimento ;)
ResponderExcluirPseudo Psicologia Barata
Acredito que o Eu lírico, até pela raiva, demonstra muitos dos seus defeitos, o que pode fazer o leitor tomar o lado de quem está dentro da porta. No meu ver, isso engrandece o texto.
ExcluirNo mais, em nome do Lucas, muito obrigado!
Gostei do texto. Fala do amor como um sentimento de fracasso, embora não concorde mas vivencie.
ResponderExcluirA ficção é mesmo maravilhosa. Nos permite cada que façamos cada confissão e passarmos impune que até Deus duvidaria, rs.
Abraço.
Fico feliz que tenha gostado!
Excluir"A ficção é mesmo maravilhosa. Nos permite cada que façamos cada confissão e passarmos impune que até Deus duvidaria, rs."
Ai é você quem está dizendo :p
A única palavra que pode me descrever agora: NOSSA! Adorei esse texto e o achei bem real.
ResponderExcluirParabéns pelo blog e espero que você tenha muito sucesso!
www.resenhasdelivros.com
Ficamos muito felizes com o comentário, e em nome do Lucas, muito obrigado <3
ExcluirLendo o texto consegui me imaginar na história. Em pleno verão fui transportada para um dia gélido e sôfrego. Estou sem palavras...
ResponderExcluirA descrição do ambiente, a emoção, tudo. Tudo impecável!
Parabéns!
Fico imensamente feliz com isso e, em nome do Lucas, agradeço!
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá! Como vai?
ResponderExcluirMinhas mãos estão coçando para escrever uma resposta à esse texto; as palavras simplesmente flutuam aqui na cabeça. Se eu o fizer, farei questão de encaminhar. Agora: Meus parabéns pelo texto. Vivi com o eu lírico cada sentimento! Quase tremi (de frio? de raiva? Sabe-se lá). Incrível. ps: eu adoro textos com palavrões.
Olá pessoal, é o Lucas aqui, autor do conto e que participa do Coletivo. E nossa, fiquei extremamente feliz com os comentários que li aqui, aqueceram esse coraçãozinho cinza e in(f/v)ernal que eu tenho, oh. Só tenho a agradecer a todos pelos comentários, críticas, elogios e afins. Naftalina é um conto que gosto muito mesmo, tenho projetos maiores com ele, mas nada elaborado desde quando escrevi, enfim, é isso, valeu mesmo mesmo por cada um que tirou um tempo pra comentar aqui <3
ResponderExcluirMas,gente! Q lindo! Apaixonei!!! Mt lindo!N se importe de ser o escritor rockstar...kkkk
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